Inteligência de pedra
- Adriano Floriani
- 2 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de mai.

A pedra bloqueia,
a pedra abriga,
a pedra registra,
a pedra estrutura.
A pedra eleva,
a pedra constrói,
a pedra sepulta,
a pedra permanece.
Não é a pedra que fere. Tampouco, ela pode ser julgada pela mão de quem a arremessa.
Se no meio do caminho tiver uma pedra, é porque provavelmente alguém a colocou lá, a exemplo do que fez Drummond no seu famoso poema.
Estejam onde estiverem, as pedras sabem sempre como se colocar. Já a gente, nem sempre...
Mesmo soltas, as pedras são coesas e mantêm coerência com as leis da física. Viajam longas distâncias, rolam, deslizam, despencam, se encaixam, se sedimentam, formam relevos e imensos paredões, chegando a percorrer milhares de quilômetros e atravessar continentes inteiros.
Queria eu ter a inteligência da pedra. Uma inteligência consistente e obstinada, capaz de se projetar como montanha para além das nuvens; capaz de estabelecer, com firmeza e naturalmente, limites rochosos e fronteiras geográficas, expondo sempre dois lados de sua justa posição; capaz de se tornar fortaleza para nos proteger dos predadores e enfrentar a covardia dos canhões.
Montanha, morro, serra ou cordilheira, a pedra nos ensina resiliência e altivez, para manter a postura e a elegância, mesmo diante das emoções que nos desestabilizam, dos pensamentos que nos atormentam, dos perigos que nos cercam e das adversidades que nos oprimem.
As pedras têm energia, magnetismo e memória. Em muitas culturas, acredita-se, até mesmo, que as pedras sejam tomadas por espíritos, carreguem maldições e tenham poderes de cura e proteção. Na dúvida, pense bem antes de atirar a primeira, a próxima ou a última pedra, que seja...
A pedra nos ensinou paciência e persistência. Entregou-se ao homem para ser lapidada, gerando ferramentas e obras de arte magníficas. Serviu de suporte para pinturas rupestres, conservando-as por dezenas de milhares de anos. Foi graças à Idade da Pedra que a história teve origem e a humanidade pôde chegar até aqui.
A pedra pode não ter vida, sob a ótica da biologia, mas se não tivesse inteligência, como ela saberia manter seus átomos aglutinados para continuar a exercer sua nobre função de pedra, quer chova, neve ou faça sol? Poderia ser qualquer outra coisa e, inclusive, nada.
Em todos os reinos da natureza, incluindo o mineral, não há ser ou elemento sem propósito, ou, diga-se, sem inteligência. Burra, só a porta, que, aliás, nunca é de pedra...
Pedras podem causar grandes estragos e ocasionar terríveis fatalidades, é verdade. Há, ainda, pedras que provocam a ganância e a cobiça entre os homens. Mata-se e morre-se por elas. A condição de ser vivo, portanto, não faz de alguém mais inteligente do que uma pedra. Há pedras mais polidas do que muitos animais racionais com CPF, formação superior e destaque na sociedade.
Quem dera eu tivesse a inteligência da pedra. Uma inteligência firme e implacável, mas que sabe se moldar à força dos ventos e ao turbilhão das águas, abrindo-se para dar-lhes passagem, ainda que teimosa e lentamente.
Com a resignação de uma gestante que nunca vai parir, a pedra carrega em seu ventre rígido a fórmula da vida, presente nos minerais e compostos químicos do seu núcleo, numa espécie de estado permanente de gravidez geológica.
A pedra pode se partir em mil pedaços e, ainda que não reste pedra sobre pedra, nunca vai conhecer desejo, medo, angústia ou frustração. Apenas o frio e o calor afetam a sua condição, sem, no entanto, modificar a sua natureza petrificante.
Como se fossem arquivos cósmicos distribuídos pela Terra (redes descentralizadas?), as pedras contêm o backup do Universo. Em caso de pane no sistema intergaláctico, Deus, as deusas ou os DEVs - os novos semideuses - saberão o que fazer com isso para reiniciar as "configurações de fábrica" da versão original do mundo. Bastaria apenas algumas pedras para se recuperar a memória do HD da Criação e voltar a rodar o software civilizacional.
Por tudo isso, eu queria ter a inteligência de uma única e pequeníssima pedra. Uma inteligência indelével e livre de qualquer expectativa, além daquela de aprender a ser somente aquilo o que se é.
Se eu tivesse cascalhos no lugar do cérebro, não teria sido tão cabeça-dura como fui nos momentos em que deveria ter cedido. Com um pouquinho só da inteligência da pedra, o meu peito hoje, certamente, não seria de pedra (ainda que seja de pedra-sabão).
PS.: Ah, sim, Porto Venere, na rota das Cinque Terre, é linda! Não deixe de visitar a parte alta da cidade para apreciar a vista magnífica. Através de uma janela de pedras, dá para enxergar longe o mar e até mergulhar fundo em pensamentos sobre a vida, a imensidão e os elementos naturais e culturais que compõem as belas paisagens, resultantes do trabalho a quatro mãos entre Deus e o homem. Se quiser acrescentar uma trilha sonora para ouvir no carro, curtindo o roteiro, Rolling Stones sempre cai bem. À noite, especialmente no verão, peça um drink on the rocks para relaxar e sentir a brisa.
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