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Trump, Santos Dumont e o preço da picanha

  • Foto do escritor: Adriano Floriani
    Adriano Floriani
  • 10 de jul.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 20 de jul.

Sem querer, o presidente dos Estados Unidos pode ter dado um presente para o Brasil
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Por Adriano Floriani


Sejamos honestos: os Estados Unidos da América nunca levaram o Brasil a sério, e não seria Donald Trump que mudaria isso agora. Esse episódio da sobretaxa, e as justificativas utilizadas, é sintomático, dentre outras coisas, de um desapreço histórico. E tem brasileiros e brasileiras comemorando.


Um pequeno exemplo que trago de uma experiência pessoal, que perdoei, mas nunca esqueci - já o fato de desprezarem o futebol e chamá-lo de soccer, nunca perdoei: quando visitei o Museu Aeroespacial, em Washington DC, no longínquo ano de 1998, o célebre Alberto Santos Dumont, reconhecido internacionalmente por ter criado o primeiro avião capaz de decolar e voar por seus próprios meios, tinha a ele dedicado um cantinho de um dos salões, como para constar, apenas, que teve alguma participação, obviamente como coadjuvante, no surgimento da aviação.


No local, havia um pequeno totem biográfico, cujo texto se referia ao nosso Pai da Aviação como "brasileiro, MAS educado na França"... Assim mesmo, com uma frase apressada nos entretantos do "but" para explicar aquele paradoxo de um rapaz latino-americano, de um país tropical exótico, ter contribuído para inventar algo tão genial, inovador, tecnológico e disruptivo como o avião.


Apesar de toda a controvérsia envolvendo os irmãos Wright, achei pouco digno dos nossos irmãos do norte para conosco e com a história da aviação. Menos pela "roubadinha" de desconsiderar o marco do voo público do 14-Bis, homologado pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI) em 1906 e que não precisou de rampa, ao contrário do Wright Flyer, que voou antes, em 1903, mas catapultado e ainda assim sem testemunhas oficiais suficientes para atestar o feito.


O que mais me incomodou foi a visão, que me pareceu evidente e bastante preconceituosa naquele pequeno painel exposto no museu, de que um brasileiro, pura e simplesmente, não seria capaz daquilo. Ainda que tenha sido educado parcialmente na França, Santos Dumont nasceu e foi criado no Brasil, estudou em Campinas e fez suas primeiras invenções na sua casa em Petrópolis. Não consta que tenha recebido um novo cérebro na Europa...


Sublimada aquela indignação, reflito ainda hoje se o que mexeu com meu orgulho foi ufanismo brazuca ou complexo de vira-latas ferido, ao pensar em todos os problemas estruturais, deficiências e desigualdades do Brasil, e que talvez até justificassem aquele olhar de desconfiança e o descrédito em relação ao nosso país. Quem sabe, Santos Dumont não devesse mesmo pertencer à França?


Toda essa história serve apenas para ilustrar que Trump e alguns dos seus, como o episódio do absurdo tarifaço me faz crer, continuam enxergando o Brasil como um país incapaz de se bancar, de ser digno de respeito sem tutela de uma superpotência, ou de ter lugar de destaque na geopolítica. No fundo, aos olhos destes, nunca passamos de uma "republiqueta", ainda que meio metida a besta e com mania de grandeza. Incentivado por políticos brasileiros equivocados, oportunistas ou entreguistas, que vestem bonés com slogans de sua campanha eleitoral e as cores dos EUA, o presidente estadunidense não espera nada além de submissão do Brasil.


Estamos preparados para superar esse mal diagnosticado por Nelson Rodrigues, sem bravatas, e mostrar nosso potencial, com soluções sensatas, novos acordos, abertura de mercados e mais investimentos? Ou vamos vestir esse figurino do Brasil-Colônia com o bonezinho MAGA na cabeça nas próximas manifestações de rua? Alguém vai dobrar ou empunhar as bandeiras do Brasil que estão sendo largadas no chão, já que a onda agora é, além de mudar para Miami, buscar nossa anexação à América do Norte?


Estamos cansados de ouvir e de dizer que crises geram oportunidades. Vamos começar, então, por impulsionar mudanças de postura, de estratégias comerciais e de políticas de proteção e subsídios: inovação, eficiência e fortalecimento do mercado interno, em primeiro lugar. Brasil first! Não é esse o jogo? E sim, o churrasco e o cafezinho, dois símbolos nacionais depois da feijoada, poderiam ficar mais baratos!


Com menos exportação para os EUA, a oferta interna aumenta, baixando os preços para os consumidores. Não é essa a lógica da economia de mercado, da livre concorrência, da lei da oferta e da procura? Seria uma boa saída para os exportadores e uma ótima notícia para o consumidor. Thank you, companheiro Trump! Picanha na brasa, no forno e na frigideira de segunda a sexta, hein? Podemos criar, sei lá, até um novo combustível a base de café, se não tiver para quem vender. Se o problema for a barreira de Trump, temos especialistas nisso. O presidente Lula pode mandar chamar, sei lá, o Rivelino... O que não dá, é ir para a retranca, neste momento do jogo, e fazer valer a lei do ex, sofrendo gol de jogador suspenso e vira-casaca.


A classe política vai mostrar uma vez mais do lado de quem ela está. Não se trata agora de escolher entre o pobre ou o rico: é o cidadão brasileiro ou o eleitor do Trump quem importa mais ao Congresso Nacional? O governo deve dialogar para abrir novas negociações e mercados, além de proteger os produtores, que, por sua vez, não deveriam nem pensar em cair na tentação de sabotar o Brasil para tentar prejudicar o governo em nome de eventuais crenças ideológicas.


Hoje ninguém precisa deixar o país contra sua vontade, mas a porta está aberta, tanto para sair como para quem quiser chegar. As instituições, apesar dos espasmos e sobressaltos, estão aí, assegurando eleições livres e fazendo valer as leis, mesmo enfrentando ataques sistemáticos, e com todas as suas imperfeições.


A crise com os EUA de Trump, Ed Boys & companhia pode ser um ponto de inflexão. Em vez de lamentar, o Brasil deveria se unir para construir um futuro econômico diversificado, resiliente e próspero, aproveitando essa palhaçada toda que encobre a guerra comercial declarada por Trump. Aliás, vamos impulsionar de vez a transição energética e desenvolver o SAF (Combustível Sustentável de Aviação) para homenagear Santos Dumont e todos os nossos inventores, cientistas e empreendedores inovadores e pioneiros.


Deixemos que Trump pague sozinho o preço salgado das suas decisões. Outros vão ficar por lá, falando mal e morrendo de saudade do Brasil. A casa, no que depender de quem acredita na democracia, estará sempre aberta. A Mãe Joana, cansada, solicita apenas que respeitem o horário do silêncio, arrumem sua própria bagunça e recolham seu lixo antes de sair, quando vierem nos visitar.


Com visão estratégica, inovação, parcerias inteligentes e confiança, o Brasil vai seguir em frente para se consolidar ainda mais como um protagonista global, que já é. E provar que Santos Dumont, ainda que deva muito à França, e todos devemos, merece mais consideração como o brasileiro genial e inovador que foi. O Brasil merece mais respeito.


Fiquem à vontade para "fazer a América grande de novo", quantas vezes quiserem, com suas plataformas neocolonialistas, seus blefes e suas catapultas retóricas, mas sem tentar apequenar o Brasil. Temos muitos defeitos, mas não seremos nunca uma "republiqueta", ainda que tenhamos desvantagens educacionais, tecnológicas, bélicas, estruturais ou de registro de patentes. Sem ufanismo, já provamos ao restante do mundo que, para o Brasil, nem mesmo o céu pode ser considerado um limite.


 
 
 

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