Brasília redesenhada
- Adriano Floriani
- 2 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 3 de mai.
Quando eu cheguei aqui, vindo de Porto Alegre, Brasília ainda não tinha 50 anos. Era para ser um período de apenas 7 meses, o tempo para a execução de um projeto profissional. Passados 15 anos, sigo na cidade, sem planos de me mudar...
Em Brasília, tenho vivido experiências profissionais e pessoais intensas. Aqui, venho ressignificando o sentido do amor. Amor por uma cidade, por sua gente, por seus horizontes e recantos.
Aqui, conheci a Veri, tivemos os filhos que são a maior alegria das nossas vidas, plantei árvores (à revelia da Novacap, admito), fiz novas e grandes amizades com pessoas de muitos lugares diferentes e geograficamente distantes.
Foi aqui, em meio aos seus dáblius e éles, eixos e ilhas (como cantou o genial Sergio Sampaio) que encontrei meu norte. O Sul continua sendo uma referência, afinal está impregnado na minha alma, assim como a "estética do frio" (gracias, Vitor Ramil). Mas é para cá que eu desejo voltar sempre que viajo.
Brasília era para ter ficado pronta em 1960. Nunca ficou. E, felizmente, parece que nunca vai ficar. Segue em permanente construção.
Mesmo idosa, a cidade é jovem, inovadora, aberta e generosa. Por vezes, pode assustar quem não está acostumado a ter diante de si uma página em branco a ser preenchida com as próprias palavras. Não precisa ser original, mas necessita ter repertório. As linhas da estrutura narrativa cada um precisa encontrar a sua. A cidade garante os cenários e riquíssimas e variadas personagens. O enredo é com você, camarada! Mas garanto que não vai faltar inspiração.
A elegância e a leveza de suas curvas em meio à paisagem do cerrado, aliada à imensidão espacial e aos amplos horizontes, dão à Brasília ares de tosca sutileza, de uma sofisticação rude, de uma bruta delicadeza, de um minimalismo maximizado. Em Brasília, os claustrofóbicos estão seguros. É o excesso de aberturas que torna difícil respirar o tanto de ar disponível.
O excesso e a intensidade, aliás, são características marcantes da cidade: o céu, a luz, o sol, a chuva, a seca, as cores dos ipês, as mangas e jamelões que despencam das árvores. Tudo é muito, incluindo sua beleza e o que pode haver de feio nela e no seu entorno. Aqui, os sentidos e os corpos não morrem de inanição. Buscar o equilíbrio e manter a (h)umi(l)dade, no entanto, são mais do que recomendáveis para uma relação saudável com Brasília.
Nossa capital federal é, ao mesmo tempo, complexa e muito simples e singela. Entrega-se fácil para quem estiver disposto a adotá-la como sua, não importando a origem ou nacionalidade.
Em Brasília, cabem múltiplas e minúsculas cidades. Os carros a circundam, mas em seus núcleos há gente vivendo pacatamente, pessoas caminhando, interagindo nos comércios locais, em quermesses, bares, nas pequenas e grandes feiras ou nos gramados das entrequadras.
Isso tudo faz dela uma cidade única e surpreendente: venha aberto/a que ela se abrirá para você também.
Passados 15 anos, eu, que já morei em outras cinco cidades no Brasil e no exterior, ainda não cansei de redescobri-la. Recentemente, admirando reproduções dos originais do Lucio Costa, tive a certeza de haver descoberto formas ocultas sob o "avião" do Plano Piloto. Rabisquei para confirmar o "meu achado", a partir das linhas sutis que já estavam ali: surgiu o formato de um coração a contornar as asas, sorrindo e com aparelho nos dentes, a insinuar, quem sabe, a puberdade da cidade que ele planejou para se manter permanentemente jovem.
Pensei: talvez a ênfase na figura do "avião" tenha sido uma estratégia para vencer o concurso lançado por JK, numa época que valorizava o progresso acelerado, o deslocamento rápido, o descasamento e mesmo o desencontro, vistos como símbolos de autonomia, liberdade e emancipação. Uma cidade em forma de coração seria piegas demais para vingar em pleno cerradão do Planalto Central...
Imaginação ou delírio, redesenhei ao meu modo o traçado do Plano Piloto, que hoje representa o mapa afetivo da cidade que eu escolhi (e que me escolheu) para viver. Meu endereço agora é no final do Lado Norte do Coração (LNC), precisamente no canto da boca onde começa o sorriso.
Por tudo, hoje e sempre, muito obrigado, Brasília!

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